Entrou, lavou as mãos, já não se incomodava com os restos de sangue que sobrava sob as unhas.
Sentou e atou os próprios pés na perna da cadeira vermelha. Vendou os olhos e algemou-se. Um punho sobre o outro em cima das pernas.
B.B King cantava Lucille enquanto sua mente entrava em declínio… e subia e descia… e subia e descia… e subia mais e mais e depois caía vertiginosamente… e assim ía se libertando… precisava chegar tão baixo quanto podia subir e só podia subir com o ritual e só podia baixar com ele. Era Caos e era Gaya. Era queda era chão.
Toda semana saía em busca de um réu confesso. De suborno de CET à estupro de incapaz, qualquer crime lhe servia. Arrancava-lhes o coração a unha, com total concebimento da vitima, que assistia com resignação o fim da própria história.
Como ela fazia isso? Usando Poe, usando Kafka, usando Sartre ela os convencia da beleza e da urgência da morte. Para que tanto os criminosos como suas vítimas pudessem ter paz. E acredite, o que os criminosos mais desejam é dormir em paz.
Quando voltava pra casa, na madrugada, se atava na cadeira depois de limpar as mãos, e ouvindo blues iniciava a decolagem, quando aterrissava já não tinha mais forças, deixava a cabeça cair e dormia alí, atada na cadeira, era o fechamento do ritual.
Os corações arrancados ela recolocava no peito do criminoso morto, cobria com a carne retirada e vedava com duas tiras de silvertape azul. Abandonava o local, com a satisfação de quem havia realizado uma grande obra.
Um dia, como todos, mais um crime era cometido, só que dessa vez a vitima era ela. O criminoso? Aquele que dormia a seu lado e dizia todas as manhãs que a amava.
Não importava a proximidade com a vitima, os traidores tinham que perder seus corações, e conscientes que é o melhor para todos.
Executou o ritual da mesma forma que sempre, sem a emoção esperada por se tratar do amor de sua vida. Mas esse cadáver foi distinto de todos os outros.
Quando cravou as unhas da mão direita, a mão mais forte, no meio do peito do amado e começou a rasgar-lhe as camadas não encontrou um coração como o esperado, e sim uma caixa de ferro.
Retirou a caixa do peito, limpou os pedaços de carne e sangue com um lenço colorido que trazia amarrado no pescoço e abriu a caixa de um só golpe.
E um grito, pavoroso de socorro saiu de dentro da caixa. O grito se repetia cada vez que terminava. Socorrooooo! Socorroooo! Socorroooo! Uma voz demorada…. sombria e desesperada que faria qualquer um entrar em pânico.
Ela fechou a caixa e posicionou-a em cima da mesa, bem ao lado da cadeira vermelha. Queria atar-se e entrar em transe mas tinha que seguir o ritual.
Não tendo coração para colocar de volta e fechar o corpo, foi ao banheiro e na frente do espelho localizou o centro do peito, cravou as unhas em si mesma em busca de seu próprio coração.
Arrancou-o sem muita dificuldade, a dor sempre lhe causara mais prazer que sofrimento. Dirigiu-se a sala e introduziu seu coração no peito do traidor, do homem que a enganou em quanto dizia que a amava. Cobriu com a carne que havia retirado dele fechou com duas tiras de silvertape azul.
Não teve forças para lavar as mãos. Sentou-se na cadeira vermelha e atou os próprios pés nos da cadeira. Vendou os olhos, algemou-se e com a boca, abriu a tampa da caixa de ferro.
E foi ao som dos gritos de socorro do coração traidor que ela fez sua última decolagem.
E esse, não foi o relato de um crime, foi apenas mais uma história de amor.
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