Dói o crânio, os alvéolos, as hemácias. Dói além do corpo, embaixo da alma, entre os espaços da razão. Sinto a bílis quando cai no estômago, sinto a contração dos ventrículos, escuto o ruído do sangue correndo pelas artérias… não sei como cheguei aqui, acho que voltei tanto no meu tempo que entrei no avesso do meu corpo e aqui vivo esses dias intermináveis.
Meus olhos foram fechados quimicamente, a luz não chega aqui dentro. Às vezes escuto uma voz fraca que vem pelos ouvidos, sussurram. Porque ela não acorda? Porque não se move?
Talvez tenha me tornado um vírus ou uma bactéria de mim mesma, e agora estou aqui, me alimentando do meu próprio corpo, vivendo tão dentro de mim que mal me recordo a cor do céu…
Não sei… só sei que nunca fui de cutucar ferida, sempre quis estar bem, me ver bonita, sem marcas, sem cicatrizes. Mas agora que estou aqui dentro, vejo que isso não tinha importância, que o corpo é só uma caixa… um caixão… as marcas do corpo não chegaram até aqui, estou intacta, como no dia em que nasci. Se soubesse que era assim teria arrancado todas as casquinhas, até aquelas proibidas da catapora.
Se soubesse de tanta coisa que sei hoje vivendo aqui dentro…
Mas já é tarde, sempre é tarde demais quando aprendemos. Respiro. Encho o crânio com mais dinamite e espero até que saiam do quarto para acender um cigarro e explodir.
Entre escombros e escrúpulos, escuto o silêncio que vem de dentro e, através dele, me salvo e me liberto…
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